Disciplina - História

Berlim: um muro cai, milhares surgem para serem pintados

por Andreas Tzortzis - New York Times

Latas de spray tilintam na mochila de Ali enquanto ele caminha pela rua de paralelepípedos no bairro pós-moderno de Prenzlauer Berg, em Berlim. Ele pára diante de um caminhão de mercado estacionado perto do playground infantil e pega uma lata. Com um movimento rápido, ele pinta seu nome em letras gordas, vermelhas, antes de deixar sua marca em uma cabine telefônica, uma dúzia de portas e uma parede de concreto ao lado do trilho do trem.

"É uma sensação ótima pintar algo à noite e voltar no dia seguinte para olhar", disse Ali, 31 anos, um designer industrial que vestia calça baggy e um capuz preto e que não quis que seu sobrenome fosse usado para evitar processos. "Eu também vejo como uma forma de retomar a cidade e moldar meu ambiente urbano."

Aparentemente, muitos berlinenses sentem o mesmo. A silhueta da cidade poderia ser definida por uma torre de TV da era do Sputnik, igrejas bombardeadas e pelo fantasma de um certo muro que antes dividia a capital alemã. Mas suas ruas são em grande parte moldadas pelas pichações.

Para quase todo lugar que você vá, das ruas repletas de cafés de Kreuzberg aos pátios escolares cheios de verde em Grunewald, "tags" (pichações assinadas por uma tribo) feitas às pressas pela calçada e subindo pela lateral dos prédios, em um ziguezague elaborado de desenhos cartunescos, letras gordas, colagens como fotos e estênceis. Partes da cidade parecem tão rabiscadas quanto um carro do metrô de Nova York nos anos 70.

E não são apenas pichadores desconhecidos que contribuem para o ataque visual. Sem escassez de prédios vazios, terrenos com mato e nômades criativos, Berlim se tornou uma tela em branco para grafiteiros de toda parte, transformando a capital alemã na cidade mais "bombada" -gíria para coberta de grafite- da Europa.

Banksy (saiba mais), o mistério do mundo da arte, deixou sua marca, incluindo um rato em estêncil trajando uniforme policial ao longo de um meio-fio em Mitte. Os Gêmeos brasileiros (saiba mais) cujas obras cartunescas já atingiram US$ 20 mil na Deitch Projects, em Nova York, pintaram um mural de cinco andares de altura com um homem amarelo vestindo uma camisa laranja em um prédio na Oppelner Strasse. E o punho do artista Kripoe de Berlim é agitado nos semáforos, trilhos elevados de trem e, talvez mais espetacularmente, em uma estacaria no meio do rio Spree.

"É como se todos pegassem uma lata de tinta a certa altura e mandasse ver", disse Peter Sutherland, um fotógrafo de Nova York que expôs seus trabalhos em Berlim. "Tornou-se um verdadeiro paraíso para pichadores."

Muito muro, pouca vigilância

As raízes da cultura do grafite podem ser rastreadas até Berlim Ocidental no início dos anos 80, quando o setor ocupado pelos americanos era um cadinho relutante de punks anarquistas, imigrantes turcos e alemães ocidentais contrários ao alistamento. Kreuzberg, um bairro cercado em três lados pelo Muro de Berlim, prosperava em particular, com quilômetros de espaço de muro e pouca vigilância policial.

Os primeiros dos chamados pichadores foram altamente influenciados pela cena de Nova York. Obras sobre a época, como o filme "Style Wars" (1983), de Tony Silver e Henry Chalfant, e o livro "Subway Art" (1984), de Chalfant e Martha Cooper, desfrutavam de um status cult.

Mas, enquanto a face ocidental do Muro de Berlim era coberta de grafite, a face oriental era arrumada e cinzenta. A notória polícia Stasi mantinha as pichações escondidas e os pichadores em Berlim Oriental corriam o risco de prisão ou pior caso fossem pegos com as mãos sujas de tinta spray -presumindo que a conseguissem.

Mas tudo mudou, é claro, com a queda do muro em 1989, o que abriu um vasto novo espaço de muros vazios virtualmente da noite para o dia. Artistas, músicos e jovens tomaram Berlim Oriental, anunciando um deslocamento na cultura jovem do oeste para o leste. Os muros e paredes esburacados de Mitte, Friedrichshain e outros bairros cinzentos logo foram cobertos por rabiscos coloridos.

"Parecia Nova York", disse Thomas Peiser, proprietário da Overkill, uma loja que atende aos grafiteiros em Kreuzberg, área rudimentar onde alemães de classe operária dividem a calçada com mulheres turcas empurrando carrinhos de compras. "Era o paraíso para nós."

O paraíso contou com alguma ajuda não-oficial. A polícia era dolorosamente lenta na resposta às pichações e uma força-tarefa especial criada no início dos anos 90 permanece altamente ineficaz. Segundo Marko Moritz, o atual chefe da força-tarefa antigrafite, a cidade realiza cerca de 15 prisões por semana, com os infratores geralmente multados entre cem e vários milhares de euros.

"Nós sabemos que nunca conseguiremos eliminar totalmente o grafite", disse Moritz, acrescentando que os danos a propriedades causados pelo grafite são estimados em 35 milhões a 50 milhões de euros por ano.

Vandalismo ou arte?

O grafite pode ser vandalismo, mas também é celebrado como arte de rua e até mesmo considerado um componente integral da Strassenkultur berlinense.

Lojas como a Overkill operam livremente, vendendo latas de spray e marcadores em toda cor concebível, juntamente com parafernália como máscaras de segurança, tampas de aerossol e máscaras com desenhos para carros do metrô. Os fãs também podem comprar lá moda urbana como as camisetas de Grace Jones e edições limitadas de tênis Puma.

Galerias como a Circleculture, uma fachada rígida em Mitte, expõem regularmente artistas de rua de renome internacional como Anton Unai, que costuma trabalhar com objetos que encontra na rua, e Shepard Fairey, o criador de "Obey, Giant" e, mais recentemente, um pôster popular de Barack Obama.

De fato, o agitado mundo da arte de Berlim tem se misturado bastante com o grafite. Desde 1986, Thomas Baumgartel, um artista de Colônia, tem grafitado bananas amarelas iguais às de Andy Warhol do lado de fora de suas galerias favoritas. Várias centenas de galerias receberam o selo de aprovação amarelo, oferecendo os visitantes uma cotação altamente prezada para a cena de arte da cidade.

De olho na próspera subcultura estão várias publicações de Berlim, como a "Artistz Graffiti Magazin" e a "Lodown Magazine", que oferecem tanto ensaios fotográficos narcisísticos de carros U-Bahn bombados quanto entrevistas com lendas do grafite, como Kaws.

No ano passado, Adrian Nabi, um ex-editor da revista pioneira de grafite berlinense, "Backjumps", organizou uma "edição ao vivo", um festival de grafite que durou dois meses nos corredores úmidos de um ex-hospital de Kreuzberg parcialmente ocupado por invasores. Ele atraiu mais de 15 mil pessoas.

A recepção de abertura, realizada em uma noite quente de sexta-feira de julho, atraiu uma multidão diversa de descolados magricelas do mundo da arte de Mitte vestindo jeans e moradores de Kreuzberg trajando calças baggy e bonés. Enquanto rolava gangster rap, a multidão tomava cerveja Beck's e inspecionava as obras coloridas de grafite de artistas ansiosos em mostrar que tinham evoluído de trens do metrô para telas emolduradas.

Apesar de Nabi respeitar as incursões que alguns artistas ruas fizeram no sistema de galerias, ele ainda admira a imprudência e audácia dos pichadores de Berlim Ocidental de sua juventude. "Um pichador é bem mais ousado", disse Nabi. "Eles tomam a cidade toda para si mesmos."

Pintando em telas urbanas

A Overkill (Kopenicker Strasse 195a; 49-30-69-506-126; www.overkillshop.com) é uma loja em Kreuzberg que fornece artigos para grafite e que também vende um estoque limitado de edições limitadas de tênis e patrocina um festival de cinema anual.

A Circleculture Gallery (Gipsstrasse 11; 49-30-275-817-80; www.circleculture-gallery.com), em uma charmosa travessa no distrito de galerias de Mitte, exibe grafite e artistas de rua de todo mundo.

Nos fundos da East Side Gallery em Friedrichshain (www.eastsidegallery.com), o mais longo trecho remanescente do Muro de Berlim (cerca de 1,3 quilômetro), oferece ótimos exemplos dos estilos de grafite locais. Pegue o S-Bahn para Warschauer Strasse.

O lado leste da plataforma do Friedrichstrasse S-Bahn oferece vistas dos punhos gigantes de Kripoe, que se erguem das janelas cobertas por tábuas de um prédio abandonado.

Muito em Falckensteinstrasse e Schlesische Strasse em Kreuzberg oferece uma variedade de estilos locais como o de Inka, até murais do tamanho de um prédio, do artista italiano Blu e do artista francês JR. A parada mais próxima do U-Bahn é Schlesisches Tor.

Tradução: George El Khouri Andolfato
Fonte: UOL
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