Disciplina - História

História

21/09/2010

Quando a religião vira pátria

Gazeta do Povo por Maria Gizele da Silva
Castigados por assumirem sua religião, os menonitas que viviam na Rússia socialista do início do século 20 decidiram se arriscar e partir para a América. A terra nova era uma esperança de manter viva a religião e ao mesmo tempo pro­­gredir economicamente. Assim, há 80 anos, chegavam ao Bra­­sil as primeiras famílias menonitas. Hoje, os traços da religião ainda são percebidos nos descendentes que vivem na colônia Wit­­mar­­sum, a 50 quilômetros de Curitiba, no município de Pal­­meira.
A religião nasceu com o movimento da Reforma, no século 16, na Europa. Primeiramente chamados de anabatistas, por defender o batismo na idade adulta, eles passaram a ser conhecidos como menonitas após a defesa de Menno Simons, que viveu no século 16 na Holanda e pregou, entre outras coisas, que a igreja deveria ser independente do Estado.
Considerados rebeldes por não aceitarem a interferência política, co­­mo o alistamento militar, e defender que apenas as pessoas conscientes dos preceitos da religião devessem ser batizadas, os menonitas viram seus principais líderes assassinados ou perseguidos. A pressão, no entanto, fez aumentar o número de seguidores. Hoje, em todo o mundo há 1,6 milhão de membros das igrejas menonitas, sendo 168 mil no Brasil.
Para evitar a morte dos seus fa­­miliares, eles deixaram a Ho­­lan­­da e partiram para outras terras, for­­mando igrejas na Suíça, na Ale­­manha e na Áustria. Foi na Rússia que permaneceram por mais tempo, com mais famílias, graças à interferência da czarina Katarina II, que no século 18 concedeu terras ao povo menonita e permitiu a ins­­talação das famílias, que logo prosperaram na agricultura, dando os primeiros passos no sistema co­­ope­­rativista. Um século depois, po­­rém, com a Revolução de 1917, os menonitas começaram a perder os bens adquiridos para o regime socialista. A solução era deixar as terras.
A primeira leva de imigrantes partiu para o Canadá e os Estados Unidos. Mas as portas do Brasil e do Paraguai também se abriram. Foi assim que, no ano de 1930, chegaram pouco mais de 240 famílias menonitas no interior de Santa Catarina. Os pioneiros tiveram muitas dificuldades na região de serra e no clima tropical, condições muito diferentes das encontradas na plana e fria Rússia.
As dificuldades de continuar desenvolvendo a agricultura e a pecuária em terras catarinenses fizeram os menonitas virem para o Paraná. Um grupo se fixou em Curi­­tiba, se estabelecendo nos bairros do Boqueirão e do Xaxim. Algumas famílias aportaram em Bagé, no Rio Grande do Sul. Outro grupo comprou a antiga fazenda Cancela, no interior de Palmeira, criando a colônia Witmarsum (no­me da terra natal de Menno Si­­mons na Holanda), em 1951. Dessa colônia, nasceram mais três: a Si­­nu­­elo, em Balsa Nova, a Prima­vera, em Palmeira, e a Concórdia, na Bahia.
Embora não sejam tradicionalistas ao extremo, como me­­nonitas de algumas regiões do Pa­­raguai e dos Estados Unidos, que vi­­vem sem acesso a energia elétrica por opção, os menonitas do interior do Paraná preservam os traços da religião no estilo de vida da colônia. A base da economia é a agropecuária. Há 310 cooperados que pro­­duzem grãos, cereais, aves e suí­­nos, além do destaque para o gado de leite. Segundo o diretor pre­­sidente da cooperativa, Ewald Warkentin, a cooperação é um dos pre­­ceitos da religião. O valor à na­­tureza também. “Nós não produzimos leite longa vida, porque na verdade ele não tem vida”, diz Heinz Egon Philippsen, ex-presidente da Associação de Moradores, pesquisador da história menonita, e responsável pelo museu da colônia.
Raízes serão suficientes para manter tradição no futuro? A colônia Witmarsum tem hoje perto de 1,2 mil moradores descendentes dos imigrantes menonitas e 800 moradores que vieram de outras regiões para trabalhar nas fazendas e no centro comercial. As crianças e os adolescentes estudam num colégio mantido pela Associação de Moradores, onde aprendem o português e o alemão. A manutenção da língua nativa é uma tentativa de manter o vínculo com os antepassados. O culto na igreja menonita, por exemplo, é rezado em alemão.
Mas a influência externa bate à porta. Os casamentos mistos e a aquisição das terras por pessoas não ligadas à religião e à cultura dos descendentes é uma realidade. O responsável pelo museu, Heinz Egon Philippsen, conhece casos de pessoas de outras culturas que se casaram com menonitas e aderiram à cultura da colônia, bem como situações em que se preservaram os traços brasileiros na família. “É um tema interessante de ser pesquisado”, comenta.
O presidente da Associação dos Moradores, Anselmo Heimbecher Osório, acredita que daqui a 10 ou 20 anos os traços da religião menonita ainda estarão fortemente presentes, porque as raízes estão na vida de toda a comunidade da colônia.A religião menonita não é impositiva, ou seja, a segue quem realmente acredita nos seus preceitos. “Tanto que temos na colônia igreja católica e da Assembleia de Deus. Isso porque temos os funcionários das fazendas que vieram com suas religiões e não precisam mudar só porque trabalham aqui conosco”, comenta.
Philippsen vai ainda mais longe. “Há quem pense que somos fechados, mas não é bem assim.” Uma prova disso é que a colônia está se abrindo cada vez mais ao turismo. A A­­­s­sociação estuda roteiros de visita às casas construídas com arquitetura germânica, às pousadas e às confeitarias com comidas típicas e os queijos finos. O museu que conta a história dos imigrantes, montado na antiga sede da fazenda Cancela, recebe em média 7 mil visitantes por ano.

Esta notí­cia foi publicada em 18/09/2010 no sítio gazetadopovo.com.br. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.
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